sábado, 14 de maio de 2011

Aldo x Marina: duelo das esquerdas

Rabelo é relator do projeto que trata da reforma no Código Florestal
O bafafá da madrugada no plenário e galerias da Câmara dos Deputados, durante as tensas e agitadas barganhas de última hora para votação do Código Florestal, guarda ainda pontos obscuros e estranhos a serem descobertos e revelados. Na briga feia de quarta-feira foram apenas insinuados no twitter da verde Marina Silva, e na resposta dura e surpreendente reação do parlamentar comunista do PCdoB, Aldo Rebelo, relator do projeto. 

Um fato, no entanto, é palmar e translúcido no meio de toda balburdia e cortinas de fumaças que cercam o debate de interesse público nacional, corroído por interesses próprios e mal dissimulados por todos os lados: o entrevero desta semana expôs de vez e com muito alarido as fraturas que trincam as relações atuais entre as chamadas forças de esquerdas aliadas ou não ao governo Dilma, pacificadas ou mantidas sob fogo brando no governo Lula. 

Sem mudar de assunto, uma rápida pausa para apreciar mais uma vez a charge emblemática publicada no começo da semana no jornal baiano A Tarde. O desenho assinado pelo premiado chargista Cau Gomez, que tanto faz rir quanto pensar nestes dias de tumultos e tremores políticos de acomodação de terra, que abalam tanto as forças governistas quanto as de oposição. 

O deputado relator do projeto do código florestal aparece retratado como um caubói do faroeste brasileiro. O enredo que atualmente mais divide opiniões, devido principalmente à descomunal carga de interesses em jogo à direita e à esquerda. Além, obviamente, da dificuldade enorme do espectador para identificar quem é jagunço e quem é mocinho nessa história complicada. 

Presas nas botas de alto coturno do deputado Aldo Rebelo, duas esporas, no traço denso e substancial do desenhista soteropolitano. Não daquelas comuns, usadas por vaqueiros nordestinos e gaúchos, ou mocinhos do cinema américano, mas sim duas estilizadas motosserras - uma em cada perna - usada pelos devastadores que andam impunemente por aí, da selva amazônica à Mata Atlântica, em geral a soldo e a mando. 

E estamos de volta ao "Saloon" do Congresso brasileiro. na Câmara dos Deputados, premonitoriamente visualizado pela arte e pelo traço de Cau Gomez dias antes do duelo das esquerdas no Planalto Central do País. 

Tudo ainda repercute em Brasília, no país e mundo afora. Tanto pela gravidade do que foi feito e dito durante o bafafá em si, como pela consequência mais imediata do triste episódio: a suspensão do processo de acordo e votação do crucial Código Florestal, jogados agora para o confuso território do tempo incerto e não sabido. 

Isso, evidentemente, sem contar com outras consequências que seguramente estão a caminho nesse jogo pesado de poder e interesses localizados, quando está em pauta um projeto de interesse público nacional da maior relevância para os passos futuros que o país pretende empreender.

Aliás, basta conhecer um pouco de história para saber que, no Brasil, tempos como este são os preferidos e perfeitos para a atuação de personagens como aquele de Macunaíma - o romance e o filme - que no meio da confusão geral solta o grito: "Agora é cada um por si, e Deus contra".

Por dentro e por fora do Congresso não é difícil perceber (basta ter vontade para isso) a importância do jogo e a multiplicação das jogadas, tal o nervosismo e agitação com que se movem políticos, empresários, gente do governo e lobistas da terra, além de notórias ONGs multinacionais e até gente consagrada do cinema e da música. Todos, ou quase todos, voam feito moscas em disputa de uma fatia do suculento bolo de açúcar e mel nas mãos do Congresso brasileiro.

Sei que alguns "politicamente corretos" por aí irão torcer o nariz por usar nestas linhas "parâmetros de direita e esquerda clássicos, de antes da queda do Muro de Berlim no século passado para identificar e falar sobre correntes políticas e ideológicas que hoje se mastigam e se engolem mutuamente como nos velhos tempos em que era comum ouvir. "As esquerdas no Brasil só se unem na cadeia". Que falem, mas vou em frente.

Com as forças de oposição ao governo Dilma desarvoradas em seus labirintos existenciais (quase a nocaute e ainda sem saber direito se falam para o "povão" ou para a classe média), os ditos partidos de esquerda - e seus líderes principais - podem dedicar-se ao seu histórico esporte preferido: mastigarem-se mutuamente.

Foi o que se viu quarta-feira na Câmara, quando da tribuna o petista Paulo Teixeira (SP) acusou o parlamentar comunista, relator do projeto, de enxertar "pegadinhas" no texto já negociados do Código Florestal. Da galeria, a verde Marina Silva repercutiu a suposta "pegadinha" em seu "twitter", o que fez um irado e surpreendente Aldo Rebelo saltar das esporas e fazer de público uma denúncia tão cabeluda quanto comprometedora , tanto para o autor quanto para a acusada, diga-se:

"A fala infeliz do deputado Paulo Teixeira (de que Aldo havia alterado o texto em relação ao acordo) deu razão para a ex-senadora Marina Silva, que postou em seu Twitter que eu fraudei o texto. Quem fraudou, quem contrabandeou madeira, foi o marido da senadora. Na época, fui eu que defendi o marido dela nesta Casa", atacou , referindo-se ao suposto envolvimento do marido de Marina, Fábio Lima, em fraudes no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

Ao lado, amplificado pelo serviço de som, ergue-se o grito do deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) em defesa de Marina: "Canalha, traidor!". E a turma do deixa-disso entra em campo para esfriar os ânimos. Votação do Código Florestal adiada sem previsão de retomada e cabeças esquentadas postas no congelador, para esfriar, ou não, nos próximos dias. 
Terra Magazine

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